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TIM apresenta “20-20-20”
20-20-20 podiam ser as três parcelas da soma que equivale aos 60 anos de Tim em 2020. E são-no também. Mas são sobretudo a memória que Tim vai buscar lá atrás, a uma marca de tabaco sem filtro, que nem era a da sua predileção, mas que lhe ficou gravada pela crueza e pela simplicidade da imagem e da mensagem que carregava consigo: 20 cigarros, 20 gramas, 20 centavos. “Era aquilo e mais nada”, recorda Tim. E foi nesse tabaco, nessa memória passada, que o músico dos Xutos & Pontapés se inspirou quando pôs em marcha o projeto do seu novo álbum em nome próprio.
Porque era claro que este álbum que iria construir e trabalhar com os seus dois filhos, Vicente e Sebastião Santos, mais os amigos próximos José Moz Carrapa e Nuno Espírito Santo, devia obedecer a esse mesmo mote, composto por ambientes descomplicados e por um punhado de canções que se queria simples e directo. Sem tretas.
Essa postura musical decorria também do próprio processo que Tim queria implementar. Antes de mais, a ideia passava pelo ambiente de familiaridade em que o músico queria que crescessem as canções apresentadas. “Não temos qualquer pessoa dentro da nossa casa”, lembra. “E quando metemos em casa alguém que conhecemos menos bem, fazemos cerimónia, temos de preparar a visita.” Neste modelo, pelo contrário, não havia cerimónia, a casa não tinha de ser arrumada para receber e Tim sentia-se confortável para partilhar as suas dúvidas, naturais num álbum que abre as portas em relação à sua vida mais íntima e pacata, longe dos holofotes e do desassossego dos palcos rock’n’roll. Agarrado a essa ideia de familiaridade, 20-20-20 cresceu a partir dos encontros semanais (às segundas-feiras) em que todos se juntavam em casa de Tim para colocarem de pé um conjunto de canções que ia desabrochando sem pressa e sem demasiadas certezas. Como uma criança a crescer no campo, cada canção tinha espaço para descobrir a sua natureza, para ser livre e simples, para existir sobretudo no prazer do momento.
Esta relação descomplexada com as canções havia de estender-se aos locais que Tim escolheu para gravar os temas de 20-20-20. “Um dos objetivos que tinha para fazer o disco era o de seguir um conceito para as músicas que se adaptasse a cada um dos sítios – e que fosse directo e de fácil intenção”, conta. “Foi uma maneira de, partindo de ideias simples, conseguir fazer com os músicos um trabalho de construção. Percebi que, sendo os mesmos músicos, respondiam de maneira um bocadinho diferente conforme o sítio onde estavam, tinham uma outra motivação para fazer tudo.” E foi assim que o grupo foi aprimorando o repertório no seu estúdio caseiro, mas também num refúgio na Zambujeira do Mar e, num último momento, em Toronto, no Canadá. De maneira a que campo, praia e cidade se infiltrassem na forma como estes temas ganhavam e reclamavam vida.
Ao ouvir-se 20-20-20, a consequência é evidente: o álbum arranca com uma visita ao ambiente bucólico em que Tim vive no dia-a-dia, depois passa para uma fase mais contemplativa (ajudada pelo cenário de praia que evoca) e termina a dar largas a uma maior eletricidade, quando chega ao Canadá. De fio a pavio, no entanto, aquilo que atravessa todo o disco é uma soltura e uma descontração que tanto celebram as pequenas alegrias da vida e os momentos efémeros de felicidade que só se reconhecem depois de desaparecerem no bulício dos dias, quanto permitem a forma sentida e indisfarçada de recordar aqueles que já partiram. Por todo o lado, uma noção de amizade e de amor que nos lembra daquilo que realmente importa preservar e cuidar nas nossas vidas. Onde o simples, afinal, se faz profundo.
Se já era assim antes que a pandemia e o confinamento limitassem os contactos e impusessem distâncias, Tim reforça-nos ainda mais a ideia dos afetos no centro da vida, a importância da partilha de bons momentos como estrutural, e aplica essa mesma lógica às letras destas canções e à construção de todo o álbum. “Queria que a experiência de fazer este disco fosse uma coisa prazerosa para todos, que todos levem uma boa recordação dos tempos que viveram a fazer isto.”
E aqui, fora do contexto dos Xutos & Pontapés, em que tem de compor a pensar no grupo, Tim permite-se expor mais o seu dia-a-dia – “que não é extraordinário e tão rock’n’rollesco como poderia ser”, garante – e leva-nos a fazer parte deste núcleo íntimo com que cria a sua música. Numa altura em que os contactos são mais cautelosos, Tim convida-nos a estar na sua casa, junto dos seus amigos e a partilhar um serão de canções simples, honestas e cativantes. Só pelo prazer de estarmos juntos.
20-20-20 FAIXA A FAIXA
1. LAR
É o retrato do sítio onde vivo e do meu dia-a-dia. Como vivo no campo e tenho sempre, pelo menos, 40 minutos de viagem que me permitem pensar muitas vezes na lista de tarefas para fazer quando chegar a casa. Estão aqui os ambientes todos do lar – o campo, o interior da casa, os instrumentos musicais, as coisas que há para fazer, as canções que estão por compor e por cantar, a festa de Natal, etc. Este tema foi a chave do disco. Foi o tema que construí para o grupo tocar e para explicar que a ideia era esta: falar destas coisas e estarmos neste ambiente.
2. O MOCHO
Quando fiz esta canção comecei pela ideia que é chegar a casa à uma ou às duas da manhã e, entre parar o carro e entrar em casa, está por ali um mocho. Fico um pouco a olhar para as estrelas, a ouvir o mocho e a pensar que ele, que também mora ali, não sabe que aquela casa é minha. Partilhamos esse sentimento: aquilo é dele e é meu. Ele canta e eu também canto. Tem que ver com a minha relação com aquele espaço, que não é assim tão campestre e tão isolado como as pessoas possam pensar, mas tem espaço e tem… um mocho.
3. GATO PRETO, GATO BRANCO
Nasceu na ressaca do Natal. Temos sempre alguma reunião lá em casa e a canção passou-se já na ressaca, quando a coisa acalma. O dia estava bonito, era um domingo, os gatos andavam por ali e eu não tinha de fazer nada. Peguei no gravador de 4 pistas e fiz este tema. Depois, quando comecei a cantar pensei na imagem que desse momento, com os gatos a brincar por ali, sem qualquer preocupação, tudo em em paz e em que se podia apreciar e invejar aquela vida de gato, a liberdade e a felicidade deles.
4. E MAIS UM DIA
Aqui já é a banda toda a tocar lá em casa. Tirando os temas de apresentação com começámos a trabalhar (Lar, O Mocho e Gato Preto, Gato Branco), passámos depois a tocar um pouco mais a sério, já todos mais à-vontade com a situação e com a sonoridade. Nos outros temas ainda era eu que dirigia muito; a partir do E Mais Um Dia a banda começa a ter alguma influência. A canção tem que ver com uma espécie de queda em sonho, onde se encontra as pessoas que foram embora, que tiveram a sua hora. Estes últimos anos não foram muito felizes nesse sentido e a canção apareceu.
5. TRAÇO A DIREITO
Este já foi gravado no Canadá, mas é talvez o tema mais velhote que está no disco. É daqueles temas que nunca teve oportunidade e eu sempre gostei dele porque parte da minha desconfiança com os traços a direito, os destinos e as coisas traçadas. Tem que ver também com aquela ideia da minha juventude em que se não tirássemos um curso não éramos nada. Começa por aí e depois segue a desconfiar dessas certezas que, por vezes, nos vendem. A parte engraçada é que o final acabou por ser exactamente o contrário do traço a direito – houve uma desbunda do Moz e do Vicente e conseguimos transformar aquilo num arco-íris de cores e de sons, exactamente para contrariar o raio do traço a direito.
6. ONDAS DO MAR
Esta canção tem que ver com aquela sensação de vertigem que pode acontecer quando se está num certo sítio a olhar o mar. Aqueles momentos em que nos pensamos pequeninos ou grandes, aqueles momentos em que estamos diante da beleza de as ondas serem tantas, todas iguais e todas diferentes. As oportunidades também são muitas e não podemos ficar presos àquele momento em que parece que tudo se resume a nós, ao o amor e à terra. A vida continua por aí e temos de nos lançar a ela. Começa aí uma série de temas ligados à praia, em que já andava a trabalhar há algum tempo, que é de banda rock, não é aquilo a que estou habituado.
7. PARECE IMPOSSÍVEL
É uma canção de amor, disfarçadamente. A letra pode ficar um bocadinho datada, porque acabou por acertar em cheio naquilo que vivemos com a pandemia. Às vezes as pessoas estão numa situação de felicidade e não a reconhecem, não lhe atribuem o valor que devia ter e esse valor só aparece depois, quando essa situação deixa de poder acontecer. É só isso. É aquele instante em que se diz “Parece impossível, estava tudo tão bom”.
8. PÔR DO SOL
As bases desses temas foram gravadas, estruturadas e cantadas na Zambujeira do Mar. A Costa Vicentina tem essa qualidade de nos colocar diante do efémero e perante aquela grandiosidade, aquelas forças, levar-nos a pensar naquilo que somos, O ambiente musical tem que ver com uma espécie de calma que também existe ali, uma espécie de sorriso interior que sinto quando estou lá. Depois tem um truquezinho lá pelo meio, ao falar das pessoas realmente mais vampirescas que também existem na Zambujeira e só saem à noite. De dia estão numas praias quaisquer, não sabemos bem, e à noite aparecem.
9. BORA LÁ
Aqui começa a grande aventura do Canadá. Fui muitas vezes ao Canadá, com os Xutos e com a Resistência, e não conseguia passar a ideia completa aos meus filhos do que era a vivência naquele país, especificamente em Toronto. Também já tinha a ideia de levar a banda a um estúdio que eles não conhecessem e que fosse fora daqui, para fazermos uma espécie de residência. Então marcámos um estúdio através da Rádio Camões, a estação portuguesa de Toronto, fizemos uma residência de cinco dias e um concerto no final. Foi lá no Canadá que estreámos o disco, quando tocámos quatro músicas nesse concerto. No meio daquilo tudo, quando estávamos a ser tão bem tratados e tão bem recebidos mais uma vez em Toronto, não me parecia nada mal que acontecesse uma canção para o Canadá. Estava lá também o cantor luso-canadiano Peter Serrado, que já tinha tocado na primeira parte de um concerto dos Xutos, e deu mais sentido à parte final do tema, quando o ‘tuga se torna canadiano – o que acontece com todos os que estão lá. Tenho muitos amigos no Canadá e foi uma forma de lhes dar um bocadinho de atenção.
10. DESCULPA LÁ
É uma canção muito centrada na amizade, em estarmos juntos, mesmo que tenhamos coisas menos boas para falar. Não nos vamos esquecer uns dos outros. É mais uma das canções que ganhou vida no Canadá. Não gosto muito de explicar as letras, mas o feeling que está por baixo é aquilo que se diz no fim da letra – não é nada complicado, é só estar aqui convosco e passar um bom bocado. Se temos de passar por esta vida, que passemos uns bons bocados, com aqueles de quem gostamos.
11. LOUCA CIGARRA
É um tema que começa um bocado psicadélico, mas quando comecei imaginei-me a escrever para um fado. Em termos de escrita, vamos pensar que aquilo era um fado, mas depois a música era outra. E lá saiu a Louca Cigarra, que é também uma homenagem a toda a malta que anda por aqui e que tem esse vício do rock’n’roll, que fez muita asneira na vida mas cá está na mesma. A malta que não conseguiu resistir à luzinha da vela ou do candeeiro e não pára de cantar.
12. NÃO ME DIGAS ADEUS
É uma canção para evitar despedidas. Não gosto muito de despedidas e o feeling da canção era esse. Já vinha de trás e terminei-a no Canadá. Já tinha essa ideia de não gostar de despedidas, mas depois foquei-me na malta que estava a trabalhar comigo e concluí a canção, pensando que havemos de ver-nos outra vez. Volta àquele sentimento de gostar de estar com as pessoas e que acabou por regressar para esta música com que quis fechar o disco.