Skip to content

Lançamentos

CucaRoseta_Cover_Preview_300dpis

Amália por Cuca Roseta

A morte só mata quando deixamos. Enquanto celebrarmos a vida que a antecedeu, pode ser contrariada e menorizada. A vida enquanto percurso, enquanto afirmação, enquanto legado e enquanto força capaz de inspirar outros a fazerem o seu próprio caminho. De certa forma, é isso que está por detrás do disco “Amália por Cuca Roseta”. Mais do que uma homenagem de Cuca Roseta à maior voz do fado, trata-se sobretudo de um agradecimento pessoal a uma mulher e a uma obra que, desde o primeiro momento, se tornaram um alicerce fundamental para o seu crescimento artístico enquanto fadista.

Amália Rodrigues despediu-se do mundo a 6 de Outubro de 1999. Há 21 anos, portanto. Mas o seu génio é demasiado flagrante para que deixe de ser celebrado – e nunca será de mais lembrar uma obra que partiu do fado, virou o fado do avesso e convocou também outras músicas populares para o seu universo. É essa enorme vastidão de registos que Cuca Roseta leva também para o palco e para o estúdio, celebrando um reportório que só ao ser reinterpretado pode manter-se vivo e capaz de conquistar novos públicos.

Acontece que “Amália por Cuca Roseta” conta também a história de Cuca Roseta no fado. Ao entregar-se com uma espantosa e arrepiante emoção a clássicos absolutos como “Com que Voz, “Barco Negro”, “Lágrima” ou “Vagamundo” entre outros, Cuca refaz os passos que a trouxeram para esta música, desde a sua entrada no fado até ao momento presente. Porque havendo outros nomes imprescindíveis no seu percurso – como Lucília do Carmo, Alfredo Marceneiro ou Camané –, ao olhar para trás e ao tentar perceber como poderia partilhar o seu percurso com o público, Cuca não demorou a perceber que Amália e os temas que popularizou estavam presentes em cada esquina da sua vida e em cada degrau na descoberta da sua voz única no fado.

Para muitos, o primeiro contacto com Cuca Roseta terá acontecido ao escutá-la numa inesquecível interpretação de “Rua do Capelão”, gravada para Fados, o incontornável filme que o realizador espanhol Carlos Saura dedicou à canção lisboeta. Cuca incluiria ainda o tema interpretado originalmente por Amália Rodrigues no seu álbum de estreia, produzido por Gustavo Santaolalla, pelo que não fará agora parte do alinhamento de “Amália por Cuca Roseta”. E é a essa regra que obedece o reportório que agora revisitará em disco. São temas que acompanham a vida fadista de Cuca Roseta, mas que, por alguma razão, nunca tinham sido gravados para os seus discos. Até porque, nos últimos anos, a cantora tem também privilegiado a sua própria escrita e a criação de um cancioneiro inteiramente seu.

Só que os fados e as marchas de Amália estiveram sempre presentes no seu percurso. “Lágrima” é, há muito, um dos seus temas preferidos de sempre do reportório de Amália – não por acaso, construído por Carlos Gonçalves para o poema da própria Amália. E é também por isso que “Lágrima”, single deste disco, surge aqui num momento sublime em que caberá apenas ao piano de Ruben Alves servir de amparo ao canto cristalino da fadista.

Entre fados e marchas que aprendemos a escutar e a amar na interpretação de Amália, Cuca Roseta recua até aos seus primeiros dias na casa de fados, numa altura em que, apercebe-se agora, quase todo o reportório que interpretava tinha, afinal, origem na grande diva do fado. E é por isso que este disco têm a forma de agradecimento: como uma filha que reconhece nos pais aqueles que a ajudaram a descobrir o seu caminho – mantendo-os como referência, mas sabendo autonomizar-se e fugir do ninho para inventar o seu próprio voo.

Amália por Cuca Roseta” agradece também o quanto estes temas de Amália foram marcantes em várias fases da vida de Cuca Roseta. Ou seja, mesmo não tendo saído da sua pena, são coordenadas fundamentais para ajudar a cantora a mapear aquilo que lhe aconteceu fora dos palcos. Voltar a cantá-los equivale a refazer esses passos pessoais e ver-se transportada para momentos como a infância, ao cantar a mesma “Marcha do Centenário” – presença constante na sua meninice –, mas também para os seus primeiros dias no Clube de Fado, a casa de Mário Pacheco, onde Cuca fez a sua aprendizagem fadista noite após noite, apresentando-se diante do público enquanto mostrava, pela primeira vez, a emoção que transportava consigo sempre que um fado tomava conta das suas emoções e encontrava o caminho até à sua boca.

Ao registar agora este reportório em estúdio, Cuca Roseta descobriu também o quanto tem este reportório tão vivo em si e o quanto os vários anos de intimidade do seu canto estas palavras é acompanhado pela construção das suas próprias memórias e vivências que lhes foi acoplando. São temas que, não sendo seus, fazem parte de si e passam, para quem, ouve uma verdade sobre a sua arte e sobre os seus sentimentos que não pode ser fingida. Tal como fazem parte de si as guitarras portuguesas de Mário Pacheco, Luís Guerreiro e Sandro Costa.

Ao celebrar o seu encontro com a obra de Amália, Cuca Roseta celebra também a vida e os seus encontros. Aqueles que, em cada momento, fazem de cada um de nós aquilo que somos. E a quem, muitas vezes, falta dizê-lo assim, com todas as letras: Obrigado, Amália. Para não esquecer nunca o porquê de estarmos aqui.