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“Casa Guilhermina”, novo álbum de Ana Moura já disponível
Abrir as portas de casa é abrir as portas da alma e convidar alguém a entrar é aceitar que os segredos que aí habitam só existem para serem partilhados: sonhos, desejos, ideias, pensamentos – tudo isso existe dentro da casa, arrumado nas canções. Abrir as portas e as janelas da Casa Guilhermina é também o ato que finalmente liberta essas canções, para que possam partir ao encontro de quem delas precisa. As canções, como as andorinhas, têm asas.
Casa Guilhermina não é só – finalmente depois de tanto que aconteceu nos últimos dois anos – o novo álbum de uma artista que Portugal e o Mundo aprenderam a amar e aplaudir. Este é o primeiro álbum de uma renascida Ana Moura, artista plural, aberta ao futuro, consciente das diferentes tradições que a formaram, mas interessada em explorar o melhor que o presente tem para oferecer.
No título há uma homenagem à sua mais funda raiz: na casa de Guilhermina, a sua avó, escutou os diferentes balanços que depois se impregnaram no seu âmago e dos quais durante muito tempo só escutou um ténue eco. Libertando-se das expectativas que não eram as suas, mostrando sinais de querer ser diferente – em “Valentim”, ao lado de Bonga e com Branko a produzir, ou “2020”, com Conan Osíris -, Ana voou alto com “Andorinhas” e mostrou um outro aroma musical com “Jacarandá” e “Agarra em Mim”, operando uma radical transformação: na postura, no visual, na forma como se apresenta e lida com o seu público.
O verdadeiro coração independente de Ana Moura bate agora com mais força num álbum que tem um mundo inteiro dentro. Tem dolência do fado e ritmo dos nossos folclores, tem o calor de África e do Brasil e os diferentes balanços tropicais que fazem ondular essas latitudes, tem a cultura popular das ruas e vielas, a modernidade eletrónica dos estúdios que projetam as cidades no futuro, tem matéria para pistas de dança, para auscultadores, para ouvir ao acordar ou para dançar noite dentro. Tem palavras que são retratos íntimos, feitas das ideias que a artista há tanto tempo acalentava.
Canta Ana, em “Janela Escancarada”, obviamente de peito aberto e sem filtros, que se quer voltar a dar ao mundo, “pois neste fado dispenso normalidades”. Esta é, então, uma obra honesta e transparente em que a cantora se mostra em frente ao espelho, de alma escancarada como a janela, mas nem por isso despida dos mistérios que a tornam fascinante, um enigma feito arte que ninguém quer ver resolvido, antes cada vez mais enredado com essas adivinhas feitas canções de que não nos cansamos porque nos falam de forma tão directa que sentimos sempre sermos os seus naturais destinatários. Mas essa é a marca da grande arte e dos grandes artistas: mesmo quando cantam para uma multidão, fazem sempre cada pessoa sentir-se a única, tal a força das palavras e da forma como as entrega.
A artista mistura o fado e o semba, a morna e a kizomba, o samba e o choro, o morro e a pista, o passado e o futuro e num alinhamento com quase duas dezenas de títulos em que se encontram alguns reveladores interlúdios que funcionam como pontos cardeais do seu percurso. Há serras e paisagens remotas, igrejas e altares, aviões e cachupa, arraiais e campos de trigo. Há toda uma viagem para que Ana nos convida, bastando-nos fechar os olhos.
Em “Antes Que Eu Morra” surge o único convidado do álbum, Pedro Mafama, e em “Estranha Forma de Vida” evoca-se a deusa Amália. É Ana a olhar para os dois tempos que a tornam agora presente.
Com aliados criativos como Pedro da Linha, Conan Osíris, Pedro Mafama, André Moreira e Mário Costa, João Bessa, Manecas Costa e Paulo e Kiari Flores, João Ferreira, Betinho Feijó, Ângelo Freire, Luís estudante, Tó Serrão, Mike Scott, Pedro Soares a assumirem diferentes papéis – de co-autorias e produção a grandes e pequenos apontamentos instrumentais -, Ana Moura ergueu uma nova casa que é também uma espécie de tributo não apenas à sua história e às suas raízes, mas ao futuro de todos nós. Aqui se encontram os singles “Andorinhas”, “Jacarandá” e “Agarra em Mim”, mas também outros temas carregados de imaginação e balanço, de “Arraial Triste” a “Classe”, com ecos da tradição e de algo que ainda não aconteceu, que nesta casa cabe tudo.
Casa Guilhermina está aí, de portas abertas, com mesa farta, sorrisos calorosos e memórias vivas. Façam favor de entrar.